Jornais que não repensarem seu “modelo de negócio”, morrerão
Sergio Vilas-Boas
“Jornal da ANJ”, junho/2009
A expectativa de que a queda na circulação e na publicidade de jornais impressos seria compensada em longo prazo pelo aumento da audiência online ainda não se confirmou nem mesmo nos países onde a banda larga é onipresente. Isso ficou ainda mais evidente com a crise da oferta de crédito, que está empurrando ainda mais para baixo os diários norte-americanos.
A situação dos jornais nos EUA, especialmente, atingiu níveis dramáticos. O caso mais gritante é o do gigante The New York Times, financeiramente acuado em meio a pressões de todo tipo. Além dos fatores conjunturais, o Times cometeu equívocos gerenciais, mas uma coisa é certa: no que se refere à internet, a lição de casa foi feita direitinho.
O nytimes.com é organizado, limpo e amigável; usa competentemente os recursos de áudio e vídeo; oferece informações variadas e bem organizadas conforme o assunto e a profundidade. Seus 36 milhões de visitantes únicos mundo afora posicionam o Times entre os jornais online mais lidos do planeta. O problema é que esse alcance todo ainda não se refletiu proporcionalmente na publicidade.
A publicidade digital no Times representou 14% do volume total da receita do ano passado, percentual ainda insuficiente para compensar a redução drástica de anúncios no impresso. A crise financeira iniciada em setembro último já afetou também os anúncios do nytimes.com, que caíram cerca de 5% no último trimestre de 2008.
Na verdade, a crise geral dos jornais impressos nos EUA decorre de uma combinação de fatores como o surgimento de novas mídias, a retração do mercado publicitário no impresso e no online, a perda de credibilidade da imprensa ao longo do governo Bush e a crise financeira internacional do momento, entre outros.
Em um ambiente claramente recessivo, então, o destino das empresas jornalísticas americanas voltou a ser discutido. O foco principal agora são os novos modelos possíveis para a geração de receita no ambiente digital, minguada em grande parte devido à “cultura do conteúdo gratuito”. Durante muito tempo os gestores de jornais acreditaram que os leitores do impresso migrariam para o digital (o que de fato vem ocorrendo) e o volume de anúncios acompanharia essa migração (o que não vem ocorrendo).
Mas a internet se constituiu – e se consolidou – como o “templo da gratuidade”. Quase tudo na internet é de graça, até mesmo o New York Times, e as pessoas se acostumaram com isso. Se o público que entra no online para “consumir” conteúdos sem pagar não é tão ou mais atraente (para anunciantes) do que o público que lê revistas ou assiste à TV, então o sistema de geração de receita online precisa ser repensado, afirmam os especialistas.
O desafio de gerar no online uma receita compatível com a amplitude da audiência é universal. “O modelo atual é desastroso”, sublinha Walter de Mattos Jr., presidente do Grupo Lance. “A velocidade da queda no impresso não foi compensada pela velocidade de crescimento da audiência no online. A geração de receita no online, embora crescente, ainda é muito baixa em termos percentuais.”
No Brasil, a taxa de crescimento da receita online é maior que a da TV a cabo e do rádio. Cresceu 44% em 2008 em relação a 2007. Mas representa pouco em números absolutos. A publicidade online responde por algo entre 3,5% e 4% do bolo de negócios com mídia.
“Essa fatia já atinge 10% do plano de mídia das grandes empresas anunciantes. A internet está consolidada para os grandes anunciantes como um meio de comunicação realmente eficaz”, afirma Luciano Vaz, diretor de mídia interativa da Fischer América. “Mas um modelo baseado somente em venda de publicidade não me parece viável.”
No início da internet, os sites dos jornais eram geralmente gratuitos. Num segundo momento, a maior parte deles se tornou paga. Depois, alguns dos que haviam fechado voltaram a abrir, como fizeram o New York Times e o El País. Alguns são de acesso totalmente livre apenas para os assinantes do jornal impresso (caso da Folha de S. Paulo e do Valor Econômico). Outros adotam um sistema misto, com algumas matérias livres e outras só para assinantes (Financial Times e O Estado de S. Paulo).
A justificativa para abrir os conteúdos se baseava na ideia de que o ativo principal do site é a sua audiência, não o seu conteúdo. O pulo do gato então seria conquistar a maior audiência possível ou um nicho dela e vender aos anunciantes conforme o volume de acessos ao site. Ou seja, aplicou-se ao negócio on-line um modelo parecido com o do jornal impresso. A diferença era que os internautas não teriam que pagar o equivalente a uma assinatura e nem o equivalente ao preço de um exemplar do jornal na banca.
Agora, eis a questão: cobrar ou não cobrar pela interação do público com os conteúdos digitais? Se sim, por quais conteúdos cobrar? Quanto vale cada um? E como cobrá-los? Essas perguntas, que hoje mobilizam empresas jornalísticas do mundo todo, independentemente da conjuntura econômica e do contexto sociocultural de cada país ou da saúde financeira de cada jornal em particular, têm sido respondidas assim pelos analistas americanos: “Não há uma fórmula. A ordem é raciocinar, ousar e experimentar”.
Audiências
Nos Estados Unidos o mercado de impressos, ao que parece, está realmente esgotado, como comprovam os balanços das empresas. “Mas, no Brasil, ainda não. O sucesso comercial de jornais gratuitos ou de baixo custo unitário mostra que ainda temos fôlego, assim como na Índia e na Rússia, onde a circulação do impresso também está crescendo”, observa Marco Chiaretti, editor chefe de conteúdo digital do Grupo Estado. “Não percebo dificuldades em termos de público. O público continua apreciando jornalismo de qualidade.”
Mas como fazer jornalismo investigativo, por exemplo, sem profissionais sêniores? “Não dá para imaginar que blogueiros vão conseguir obter, por exemplo, documentos do Pentágono? Duvido. Isso requer um esforço muito grande. Uma coisa é usar a tecnologia (que é realmente muito interativa) para repercutir uma notícia; outra é ter o apoio e a disciplina de uma grande organização bancando um jornalismo de profundidade”, analisa Chiaretti.
Também parece inacreditável que os jornais digitais irão um dia bancar toda a estrutura de uma empresa jornalística complexa como a do The New York Times, que possui nada menos que 1,3 mil jornalistas. No prazo de um ou dois anos, muitos jornais americanos – e mesmo europeus – terão de tomar decisões difíceis envolvendo papel versus online e audiência de “alto nível” versus audiência de massa, além de buscar a todo custo um equilíbrio entre publicidade e assinaturas.
Recentemente, veículos importantes como Miami Herald e Boston Globe entraram numa apocalíptica lista dos dez jornais americanos que não deverão suportar a espera até a migração total para o ambiente digital, segundo especialistas em mídia. Curiosamente, no entanto, mesmo com a facilidade de acesso a múltiplas fontes, os jornais continuam tendo um número crescente de leitores (ou visitantes), caso do próprio New York Times.
No Brasil, o volume de usuários únicos de jornais online – 45 milhões – é um indicativo do potencial em jogo. Para se ter uma ideia, a revista brasileira de maior circulação calcula seu público em mais ou menos 6 milhões de leitores; as TVs a cabo, em 24 milhões de espectadores. “A distribuição do bolo publicitário é nitidamente desproporcional e injusta, e esse desequilíbrio é fruto de um mercado ainda imaturo”, observa Luciano Vaz, diretor de mídia interativa da Fischer América.
O ambiente digital é dinamizado por tecnologia de ponta. Há ferramentas e processos altamente sofisticados para medir e qualificar a audiência online. O volume de informações de marketing produzido pelas medições no online é gigantesco. Mas não é nada fácil transformar esses dados em estratégias e ações práticas. Por outro lado, os fundamentos da venda de publicidade online são os mesmos do impresso, ou seja, os valores monetários se baseiam principalmente na audiência absoluta.
“A audiência é decisiva. Por isso não acho que seja uma boa ideia um jornal cobrar por todo o seu conteúdo online. Uma parte do conteúdo tem de ser aberta para ajudar a aumentar o número de acessos e, consequentemente, atingir um volume que justifique a venda de publicidade. Sou favorável a que os jornais tenham uma parte do conteúdo aberto e outra, fechada, mais vertical e ultrassegmentada”, diz Vaz.
O primeiro alvo a ser atingido são os leitores com menos de 40 anos, que, no mundo todo, leem cada vez menos o jornal em papel. “A grande questão aqui é por que os produtos que publicamos não atraem tanto o público mais jovem. O problema é forma ou o conteúdo?”, pergunta-se Raquel Almeida, gerente de plataformas digitais da Infoglobo. “Porque ainda não conseguimos fazer isso satisfatoriamente no Brasil.”
Para as classes D e E o jornal impresso é “aspiracional”. Mas o computador também é. Os pais aspiram a que seus filhos tenham computador para “vencer na vida”. O crescimento das lan houses nas periferias das grandes cidades é um sinal disso. Todo mundo quer ter pelo menos um perfil no Orkut e falar no MSN. “Percebo um dado positivo no caso brasileiro: os jornais na web têm conseguido captar audiências mais do que outros meios de comunicação”, orgulha-se Walter de Mattos Jr., presidente e editor do Grupo Lance.
Publicidades e alternativas
A percepção geral é de que as estratégias de geração de receita no online baseadas exclusivamente em venda de publicidade continuam não refletindo o sucesso dos jornais na captação de audiências compostas por jovens e por pessoas em processo migratório do papel para o digital. Até porque os negócios on-line são relativamente novos. A internet comercial chegou ao Brasil em 1995, com os principais sites e portais indo ao ar mais ou menos nessa época. A rede CNN lançou seu site em 1992. Mesmo no mercado americano, a internet é um negócio com menos de vinte anos.
“A decisão de migrar ou mesmo investir neste novo meio exige muita determinação”, acredita Raquel Almeida, gerente de plataformas digitais da Infoglobo. Os investimentos necessários são múltiplos: tecnologias, qualificação dos departamentos comerciais e do corpo editorial, infraestrutura para convergências multimídias etc. “Talvez estes e outros investimentos devessem ter sido feitos mais cedo, mas o contexto geral também não contribuía para uma evolução mais rápida.”
Enquanto os jornais tentavam se adaptar à entrada retumbante das novas mídias no cenário, o público introjetava a máxima de que informação online tem de ser grátis. A questão agora é: cobrar ou não cobrar pela interação do público com os conteúdos digitais? A resposta mais ouvida pelo Jornal da ANJ é a de que “conteúdos seriamente jornalísticos não podem ser gratuitos”, o que leva a um “modelo híbrido” no qual alguns acessos sejam abertos e outros, fechados.
Então, cobrar, sim, mas por quais conteúdos? E quanto valeria cada um? “Cobrar por matéria é difícil porque as informações têm valores diferentes valores conforme o leitor-internauta. Uma reportagem completa sobre uma feira de turismo em Dubai, por exemplo, poderia valer R$ 5 para um profissional da área e não valer absolutamente nada para outra pessoa. Mas, com o tempo, pode-se estabelecer um valor médio razoável”, acredita Luciano Vaz, diretor de mídia interativa da Fischer América.
Marco Chiaretti, editor chefe de conteúdo digital do Grupo Estado, considera insuficiente a estratégia de venda de publicidade combinada à cobrança por conteúdos específicos, unitários ou empacotados num mesmo produto dentro do site. “O modelo de multirreceitas – com banner, vendas de conteúdos por nichos, informação especializada para celulares, assinaturas para algumas plataformas específicas etc. – me parece o mais indicado. Há muito o que experimentar.”
Walter Isaacson, presidente do Aspen Institute e ex-editor da revista Time da CNN, é outro defensor da necessidade de que o leitor pague pelo que lê. Para ele, a primeira obrigação de um jornal é com seus leitores, não com seus anunciantes. Isaacson acredita que, com o encolhimento da publicidade online nos últimos meses, o sistema de micropagamentos deveria ser experimentado com mais ênfase.
Pelo sistema de micropagamento o leitor pagaria pequenas quantias por cada clique destinado a qualquer serviço ou produto na internet. Trata-se de uma espécie de moeda digital que permitiria a compra de artigos ou edições completas de jornais e revistas, e de acessos a blogs, vídeos etc., ao preço de US$ 0,05 à US$ 0,50. “Acredito nessa proposta”, opina Walter de Mattos Jr., presidente do Grupo Lance. “Mas também seria uma boa ideia criarem-se redes de publicações para que cobre por demanda.”
A cultura do negócio da informação online ainda não está consolidada no Brasil, acredita Theófilo Carnier, editor chefe do Diário Comércio Indústria e Serviços – DCI. “A maioria dos jornais não tem profissionais nem departamentos especializados nesse tipo de venda, e alguns parâmetros para a venda de informação online são diferentes do processo de vendas do impresso. O princípio de que o usuário do online é fugaz vale para a cobrança de conteúdos também. Deve-se permitir acesso gratuito apenas às manchetes das matérias principais, mas não ao texto inteiro.”
Raquel Almeida, da Infoglobo, acha que o leitor do online não paga por um conteúdo que ele encontra facilmente na internet, seja em agregadores de notícias, no Twitter, no YouTube ou em algum site de busca como o Google. “A notícia commodity não tem valor para esse usuário. Mesmo uma matéria exclusiva precisa trazer impacto em sua vida ou um conhecimento que justifique a compra”, observa. Quais usuários realmente precisam de conteúdo exclusivo e em primeira mão? “Talvez nem os profissionais do mercado financeiro. Há que se pesar muito o valor do conteúdo a ser vendido.”
As fundações e a democracia
Num artigo recente no The New York Times, dois executivos da Universidade de Yale lançaram a ideia de transformar alguns jornais em empresas sem fins lucrativos (fundações, institutos, ONGs), com um modelo de gestão semelhante ao de universidades (como a própria Yale). Essas instituições receberiam donativos cujos rendimentos permitam uma operação sem grandes sobressaltos.
Citam como exemplos a BBC de Londres, que recebe contribuições dos espectadores; o The Guardian, o Frankfurter Allgemeine Zeitung e o St. Petersburg Times, que são mantidos por fundações; e o Financial Times e o Wall Street Journal, cujos prejuízos podem ser compensados pelos lucros dos grupos que os controlam.
A ideia provocou debates acalorados nos EUA. O editor-chefe do Times, Bill Keller, assim como muitos leitores que enviaram cartas, não gostou da ideia. Economistas e comentaristas de imprensa tampouco. “Acho que não é por aí. Mas o debate tem de crescer no nosso meio e atingir toda a sociedade. A fragilidade das empresas de jornalismo sério é ruim para todos. Imagine um New York Times e um Los Angeles Times de joelhos. A quem isso interessaria?”, questiona Walter de Mattos Jr., presidente do Grupo Lance.
Há até analistas que sugerem que os governos banquem parte dos custos dos jornais, argumentando que a imprensa é uma necessidade social. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, insinuou algo nessa linha, e o estado norte-americano de Washington anunciou uma renuncia fiscal em favor de jornais locais.
“A relevância do jornal como um meio de informação para a sociedade está em sua independência financeira do estado e da iniciativa privada, ainda que ele também seja parte de uma indústria. Não acredito que um modelo como esse possa dar aos veículos a imparcialidade e o reconhecimento por parte da audiência”, avalia Raquel Almeida, da Infoglobo.
Opções tecnológicas
Entre todas as projeções e propostas possíveis para gerar receita no online, há uma que parece infalível: o meio digital (internet e celular) é o que mais ganhará importância nos próximos anos como negócio. Mas há também perspectivas tecnológicas interessantes envolvendo novos suportes.
Jornais eletrônicos descarregados em dispositivos como o Kindle2, o e-book da amazon.com, são uma promessa. A grande vantagem do Kindle2 sobre outros e-books é a conectividade. Nele é possível baixar livros e periódicos com facilidade.
O custo de um Kindle2 (US$ 359) equivale ao valor de uma assinatura do New York Times por dois anos. A diretoria do Times até estuda uma proposta de fornecimento gratuito de um Kindle2 para cada assinante, com o objetivo de fidelizá-los.
Apesar da portabilidade do Kindle2, o que a indústria editorial realmente espera é um leitor eletrônico que revolucione o mercado assim como fez o iPod. Há rumores de que a Apple está trabalhando em um iPod Touch com tela de 18cm ou 23 cm, que permite uma leitura confortável.
Há também produtos desenvolvidos para atrair anunciantes para o papel mesmo, caso do Peel ‘n Taste, da US Ink, uma película que permite a criação de anúncios explorando não apenas a linguagem escrita, mas também o tato, o olfato e o paladar. O Peel ‘n Taste está previsto para entrar no mercado no segundo semestre deste ano.