Algoritmos e Web Analytics auxiliam os jornais
na seleção, produção e avaliação da performance
de seus conteúdos, mas não são panaceia e tampouco
resolvem o problema da geração de receita no online
Sergio Vilas-Boas
“Jornal da ANJ”, outubro/2011
Ignorar a performance de um determinado produto ou serviço é algo impensável numa empresa não jornalística. Mas os grandes jornais acreditaram, durante décadas, que agradar demais os seus públicos podia acabar criando uma relação promíscua. Hoje, com tecnologias que permitem apontar com exatidão o que as pessoas estão visualizando e comentando na rede, quanto tempo dedicam a uma reportagem ou artigo ou mesmo quanto em dinheiro uma matéria gera em anúncio, as empresas jornalísticas têm como tomar decisões mais “científicas” sobre como e onde alocar seus cada vez mais escassos recursos.
A crença de que o público não acessa um jornal apenas pelas informações que ele contém, mas também pelo julgamento editorial que o veículo encarna, está sendo posta em xeque pelas ferramentas de medição hoje disponíveis para o on-line. Discute-se, no momento, se os Web Analytics e os algoritmos irão corromper o juízo crítico quanto à relevância ou não de um assunto e o conceito de noticia. O fato é que os relatórios métricos estão permitindo decisões cirúrgicas sobre o que cobrir e como tornar o conteúdo mais atraente.
Uma pesquisa do Instituto de Jornalismo Donald J. Reynolds, que entrevistou por telefone 529 editores, mostrou que 90% deles disseram receber relatórios de Web Analytics com informações como páginas visitadas, duração da visita e tráfego em seus sites. Além disso, 49% deles afirmaram que, pelo menos parcialmente, suas decisões sobre coberturas são baseadas nesses relatórios.
O “The Washington Post”, que realizou uma cobertura intensiva (no digital e no impresso) das eleições na Inglaterra ano passado, por exemplo, descobriu que os leitores do on-line não estavam particularmente interessados naquele assunto. Um dos cinco conteúdos mais visualizados naquele período foi, na verdade, um artigo falando dos calçados Crocs (o fato de o Yahoo ter criado um link para essa matéria certamente atiçou ainda mais o interesse do público). No entanto, a assunto eleições não foi desprezado pelos editores.
Raju Narisetti, diretor executivo de conteúdos digitais do “Post”, acredita que as medições de tráfego e compartilhamentos o ajudam, entre outras coisas, a usar melhor os recursos do on-line: “Com base nesses relatórios, nós nos perguntamos: o que fazer para tornar o site ainda mais atraente? Este assunto merece um podcast ou ficaria melhor abrirmos apenas uma galeria de fotos? Poderíamos gerar conteúdo a partir da sugestão deste ou daquele leitor?”
Para Narisetti, os Web Analytics e as demais ferramentas de medição de performance têm-se mostrado também úteis nas redações, onde os borderôs estão cada vez mais enxutos. “Ano passado, quando fui obrigado a cortar postos de trabalho, procurei fazê-lo com base nos conteúdos que não estavam repercutindo entre nossos leitores. Descobri, por exemplo, que os vídeos um pouco mais longos tinham pouca audiência, e então reduzi a equipe daquele departamento.”
“Aceitar que somente o tráfego determine as escolhas seria incorrer em superficialidade e sensacionalismo”, argumenta Sandra. “Não podemos perder de vista o papel que temos na oferta de notícia organizada, hierarquizada. A missão dos jornais é pôr em comum com seus leitores o que há de mais importante e nobre na sociedade. Fazer isso e ainda conquistar audiências é um desafio a ser vencido com inteligência. Nesse sentido, as ferramentas ajudam, mas jamais podem ser a nossa bússola.”
O tráfego e as manchetes
Os oito jornais do Grupo RBS fazem acompanhamento sistemático do tráfego on-line e os utilizam em suas decisões, tanto na web quanto no impresso. Dezenas de editores de todas as mídias recebem duas vezes ao dia (às 9h e às 16h30), sete dias por semana, uma relação dos dez assuntos mais acessados on-line naquele dia, para que possam tomar decisões, se (e conforme) for o caso.
“No entanto”, pondera Marcelo Rech, diretor geral de produto do Grupo RBS, “entre ter a informação e tomar a decisão vai uma longa distância, porque o aspecto fundamental é a linha editorial do veículo e a forma de abordagem de cada assunto em cada veículo. Mesmo em veículos populares, como o ‘Diário Gaúcho’, uma notícia de enorme audiência, inapropriada para a linha do jornal, terá uma dimensão de acordo com a filosofia do veículo.”
Sandra Gonçalves concorda que um assunto muito popular entre os usuários on-line não necessariamente pode ser considerado notícia ou tem relevância: “Interesse/popularidade é um dos critérios para a seleção de notícias. Não o único. Há que se levar em conta a relevância, a densidade da matéria, a afinidade com a nossa linha editorial, que é pautada por compromissos como a contribuição ao desenvolvimento de nosso Estado”.
O estudo do Instituto Reynolds também revelou que os editores estão buscando maneiras de tornar seus jornais mais interativos, especialmente nas mídias sociais, e mais afinados com os mecanismos de busca. Os veículos agora tendem a redigir as manchetes com palavras que aumentem o tráfego on-line. Segundo o estudo, os jornais americanos estão cada vez mais dependentes dos algoritmos e da SEO (sigla em inglês para “Otimização de Mecanismos de Busca”).
No Brasil, essas ferramentas também já começaram a ser usadas com vigor em alguns jornais. “Zero Hora”, por exemplo, estabelece comparativos de palavras no Google Insights para escolher os melhores termos para títulos (decidir, por exemplo, entre “tremor” ou “terremoto”) e emprega links-âncoras para aumentar a profundidade de navegação em matérias com alto potencial de tráfego.
“O objetivo não é treinar repórteres e editores para só escreverem pensando no Google, mas sim evitar erros nessa área, especialmente em assuntos de grande audiência, que sabemos terão muitos acessos via mecanismos de busca. Em resumo, nosso objetivo é sempre que possível extrair um ganho da audiência proveniente dos buscadores, aumentando a ‘vida útil’ das matérias”, explica Pedro Dias Lopes, editor-chefe da Zerohora.com e do ClicRBS.
Na prática, diz Pedro, o uso da SEO resulta em títulos e textos mais objetivos na lista de “últimas notícias”: “Não necessariamente usamos nas capas o mesmo título das matérias, ou seja, há 100% de liberdade criativa. Em acordo com nossa própria área de SEO, usamos regras básicas para mecanismos de busca com vistas a evitar ‘esconder’ do Google um assunto importante. É um apoio, não um mantra na nossa redação. A exatidão na descrição do fato e o bom texto jornalístico continuam prioritários”.
Ditadura da maioria?
As facilidades métricas apontam para um jornalismo mais democrático e participativo ou para uma forma sutil de intervenção editorial? Como balancear “o que o usuário querer” com o “o que o jornal acha que é relevante”? Para Sandra Gonçalves, um jornal é democrático quando ouve leitores e não leitores, quando dá voz às pessoas que integram a sociedade em que está inserido, quando sabe empregar seus esforços para defender a democracia e seus pilares, a liberdade de expressão, a separação dos poderes, o voto livre, direto e consciente.
“As métricas não são panaceia. São apenas ferramentas”, analisa Sandra. “No mundo de hoje, elas são uma condição necessária, mas insuficiente para que os jornais correspondam às expectativas de seus leitores. E reafirmo: uma das expectativas do leitor qualificado é ser surpreendido. Se não serve como solução mágica, a medição de audiência também não pode ser encarada como intervenção. Ao contrário, ela oferece pistas para que consigamos atrair, encantar e fidelizar nosso público.”
Saber com maior exatidão o que as pessoas desejam ler/ver implica oferecer-lhes o que querem? Marcelo Rech é cauteloso ao reconhecer o valor dessas ferramentas no processo de tomada de algumas decisões editoriais. “Produzir um jornal e, mais do que isso, uma marca de credibilidade, não é uma corrida de 100 metros: é uma corrida de revezamento, de geração para geração. Obter uma audiência estrondosa por horas e destruir a reputação é, na verdade, uma atitude que separa os profissionais dos amadores”, provoca.
“Em geral, notícias bizarras são campeãs de audiência”, prossegue, “mas uma marca de jornal não pode agir por espasmos que reflitam os baixos instintos de grupos de indivíduos. Ao contrário, nosso compromisso, seja em que plataforma for, é de elevar o padrão informativo e jogar luzes de civilidade sobre a sociedade. Este é o posicionamento que pereniza as marcas e assegura um crescimento sustentável – o que, aliás, atrai tanto anunciantes quanto leitores permanentes.”
No “The Washington Post”, um monitor de TV com um amplo conjunto dados – por exemplo, número de visitas únicas ao Washingtonpost.com, quantas matérias os visitantes visualizaram e de onde partiram as visitas – foi posicionada em local estratégico da redação. Um marcador (verde ou vermelho) qualifica cada um dos dados, que são cruzados com as metas do mês. Cerca de 120 profissionais da redação recebe diariamente um e-mail com as avaliações de 46 parâmetros de performance.
Na visão de Sandra Gonçalves, essas várias ferramentas de monitoramento acabam tendo funções tão distintas quanto convergentes: “Uma dessas funções é projetar o futuro, ajudar nas escolhas. Outra é analisar a aceitação do conteúdo já ofertado. Se olhadas não apenas quantitativa, mas também qualitativamente, elas podem também servir para que se descubram os pontos altos e baixos do planejamento e, a partir daí, aprimorarmos nossos processos”.
Capitalizar o interativismo
Em uma reunião de editores-chefes de conteúdos digitais no “The Los Angeles Times”, a empresa de consultoria Perfect Market, especializada em auxiliar empresas jornalísticas a gerar receita com seus sites, apresentou um novo software que promete mexer com o setor. Com base nos cliques dos leitores nos anúncios o software aponta com exatidão quanto dinheiro cada matéria está gerando para o jornal.
“Se há constância de interesse do público por temas não cobertos por um veículo, pode-se vislumbrar uma oportunidade de se chegar àquele público, seja pela abertura de uma extensão de conteúdo no próprio veículo ou pela criação de um produto específico”, projeta Marcelo Rech (foto). Mas os softwares que medem geração de receita, ressalva, também não passam de acessórios nos processos de tomada de decisões.
“Na verdade, há décadas nós sabemos quanto cada editoria ou caderno rende em termos de publicidade e qual o nível de despesas de cada um. Mas as decisões são tomadas levando-se em conta um conjunto de fatores – não unicamente uma receita publicitária. Vale o mesmo conceito para a nuclearização desta informação sobre receita até o nível de uma só notícia on-line.”
As mídias sociais, onde as atitudes “interativistas” encontram plena expressividade, são parte importante das estratégias digitais dos jornais brasileiros, embora ainda não se saiba ao certo como lucrar com elas. “Há muito que avançar no uso das mídias sociais, mas acho que pensar a interatividade somente sob esse crivo é muito restritivo. Os leitores podem interagir por outros canais”, pondera Sandra.
Para ela, é importante continuar valorizando canais tradicionais de interação com o leitor, como, no caso da “Gazeta”, a Coluna do Leitor, os conselhos de leitores e a participação deles em eventos de caráter editorial organizados pelo próprio jornal, como o Papo Universitário. “Enfim, para interagir com o leitor, não podemos nos limitar às mídias sociais”, adverte.
“Não se concebe mais estar fora das redes sociais ou não ter pelo menos uma atuação efetiva nelas. Porém, o desafio agora é atingirmos outro patamar de envolvimento com essas mídias, com um modelo de sustentação econômica que vá além da administração de relacionamento com a marca ou o uso das redes sociais apenas para monitoramento de interesses e para fazer apurações”, sublinha Rech.