A Lei de Acesso à Informação entra em vigor em maio de 2012, mas a “cultura do segredo” é histórica nos poderes públicos brasileiros
Sergio Vilas-Boas
“Jornal da ANJ”, abril/2012
A Lei de Acesso à Informação Pública, sancionada em novembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, entra em vigor no dia 16 de maio de 2012. A partir dessa data qualquer cidadão poderá solicitar informações a órgãos públicos de todos os níveis (municipal, estadual e federal) e poderes (executivo, legislativo e judiciário). Mesmo os documentos classificados como sigilosos poderão estar disponíveis de acordo com as regras definidas no texto. Além disso, espera-se que nessa data estejam ao alcance dados on-line envolvendo, por exemplo, gastos do governo, salários de servidores públicos e pagamento de diárias, entre outras informações previstas no Art. 8º da Lei (nº 12.527).
Tudo isso, em tese. Na prática, a realidade deverá estar bem longe do desejável. No âmbito federal, o processo de estruturação para atendimento às demandas dos cidadãos tem transcorrido timidamente; e esse mesmo processo não foi sequer iniciado na esmagadora maioria dos estados e municípios. As justificativas para a lentidão ou para a inércia giram em torno da regulamentação (até o fechamento desta reportagem – 28/03/2012 – a Lei de Acesso ainda não havia sido regulamentada).
Por se tratar de uma lei nacional, precisa haver regulamentação, na qual se estabelecem os critérios específicos. O texto-base fornece apenas diretrizes gerais. “A entrada em vigor é 16 de maio, independentemente de ter sido regulamentada ou não, mas muitos órgãos estão se escorando nessa ‘desculpa’ para não se moverem. Acho que a regulamentação é absolutamente necessária também para evitar uma desmobilização”, enfatiza Fernando Rodrigues, jornalista da “Folha”, diretor da Abraji e coordenador do Fórum de Direito de Acesso.
Gil Castelo Branco, fundador e secretário geral da ONG Contas Abertas, reconhece que a estruturação física e intelectual dos órgãos públicos para atender às novas exigências não é uma ação rápida e simples: “Os funcionários públicos ainda não têm clareza sobre como pôr o texto da Lei em prática. Até porque não se trata de uma vontade automática. O assunto é trabalhoso”. Gil acredita que “a criação de comissões internas para coordenar as mudanças” é a movimentação mais visível até agora no plano federal.
Algumas das funções que têm sido atribuídas a essas comissões: verificar as condições dos arquivos existentes, identificar os pedidos mais frequentes, realizar exame rigoroso de documentos que se enquadrem nos novos critérios de sigilo, definir local, horário e pessoas para o atendimento, promover seminários, distribuir cartilhas (a CGU criou um cartilha sobre a Lei de Acesso). “Se não tomarmos cuidado, essa Lei pode já começar enfraquecida em maio, e até cair em desuso. Aí será difícil recuperar a vitalidade que lhe deu origem”, Gil adverte.
Recursos e atendimento
Fernando Rodrigues chama a atenção para outro aspecto ainda mal resolvido: “Os setores públicos alegam que, ‘certamente’, serão necessários recursos financeiros para as estruturações. No entanto, em nenhum dos orçamentos públicos para 2012 foi incluída até agora a dotação de verbas para despesas eventualmente provocadas pela Lei de Acesso. Por outro lado, a gente sabe que só o Governo Federal gasta, em média, R$ 2 bilhões por ano com publicidade e patrocínios”.
Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, concorda que o problema da dotação orçamentária tem solução e também acredita que “remanejar recursos da publicidade para os órgãos se estruturarem” é a solução mais indicada. A simples manutenção de um sistema de informação ao cidadão é uma atividade cara. Os Estados Unidos, por exemplo, gastam US$ 380 milhões por ano para manter um sistema desse tipo.
No Brasil, as prefeituras de cidades com mais de 10 mil habitantes têm reclamado dos custos decorrentes da implantação de um sistema de transparência ativa, via internet, conforme determina o Artigo 8º da Lei de Acesso, que também prevê que os municípios se preparem para atender solicitações feitas pessoalmente, por telefone e por carta.
Abramo tem observado outros percalços: “Existe um abismo entre a disponibilidade de informação pública no Executivo Federal e nos governos estaduais e municipais, onde a qualidade da informação gerada é baixíssima. Falta transparência à maioria dos estados e municípios brasileiros no item mais básico da democracia, que é prestar contas à população de como estão gastando o dinheiro. Mas nem isso fornecem com exatidão, quando fornecem”.
Penúrias e silêncios
Pesquisa recente da Firjan – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro – apontou que duas em cada três cidades brasileiras (63,5%) vivem uma situação financeira difícil ou crítica. Apenas 95 (1,8%) dos 5.266 municípios brasileiros foram considerados “excelentes” na gestão das contas públicas em 2010, segundo a pesquisa. Entre as gestões mais responsáveis há apenas três capitais: Porto Velho (RO), Vitória (ES) e Porto Alegre (RS), por razões bem específicas.
“Cerca de 40% dos municípios depende de repasses da União e/ou dos estados, e tais repasses respondem por mais de 90% do total da receita daqueles municípios”, diz Cláudio. “Ou seja, grande parte das cidades brasileiras não tem como sobreviver por si próprias. Além disso, há um grande desafio: as informações que os poderes públicos conseguem divulgar atualmente não têm como alvo o cidadão (o indivíduo), mas sim a universidade, a imprensa, as ONGs. Isso precisa mudar rapidamente.”
Conhecer o processo decisório é fundamental, afirma Abramo. “Por trás de tudo o que se divulga há decisões, indecisões e inépcias. Se isso não estiver bem processado, fica difícil para os cidadãos e instituições agilizar soluções para seus problemas, tanto no plano local como estadual ou federal. Exemplo: não basta sabermos quantos imóveis têm isenção de IPTU em São Paulo. Como e por que foram isentados são perguntas importantes; e quais mecanismos levaram a Agência Nacional do Petróleo a decidir por isto em vez daquilo? Essas informações também precisam estar acessíveis.”
Os gastos secretos com cartões corporativos do governo federal estão entre os principais alvos da vigília da sociedade e das empresas jornalísticas no momento. Entre 2009 e 2011, 44,1% do total de despesas realizadas com os cartões no período (R$ 89,7 milhões) referiam-se a gastos secretos amparados pela legislação ainda em vigor. O ano em que foram registrados mais gastos confidenciais foi 2010, com R$ 32 milhões. A Presidência e o Ministério da Justiça, pela ordem, lideram os gastos não justificados com os cartões.
Movimentações na Câmara
Normalmente, nenhum político ou funcionário público se declara opaco ou obscuro, brinca Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas. “Todos dizem que são transparentes. Mas entre o discurso e a transparência efetiva vigora no Brasil a cultura de negar o acesso aos dados e aos processos decisórios governamentais, principalmente nos estados e municípios”, lembra.
Já no plano federal, lembra Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, enquanto o Judiciário tem-se empenhado para disponibilizar cada vez mais dados aos cidadãos (“por ação do Conselho Nacional de Justiça”), “no Senado não se sabe ao certo nem se os senadores estão realmente indo trabalhar”; e várias reportagens publicadas este ano em jornais mostraram que a Câmara está sendo mais proativa que o Senado na estruturação para a Lei de Acesso.
Christiano Lacorte, gerente de implantação da Lei de Acesso na Câmara dos Deputados, diz que um Grupo de Trabalho está atuando em três frentes: “Primeiro, adaptar o normativo nosso no sentido de dar suporte ao cidadão. A resolução nº 29/1992, daqui da Câmara, por exemplo, previa para os chamados documentos sigilosos uma classificação diferente. Agora teremos de nos adequar ao que diz o Artigo 23º da Lei de Acesso, que trata das informações consideradas passíveis de classificação prévia”.
A segunda frente de ação na Câmara, segundo Lacorte, diz respeito ao Artigo 8º, que trata da transparência ativa, e onde se lê: “É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”.
O Artigo 8º detalha ainda o registro das competências e da estrutura organizacional, dos endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público; dos repasses ou transferências de recursos financeiros; das informações sobre licitações e contratos; e dos dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades.
Todos esses registros devem estar proativamente disponíveis na internet e com ferramentas de busca eficientes. Municípios com menos de 10 mil habitantes estão dispensados de divulgar informações dessa natureza na internet. Por outro lado, têm de divulgar em tempo real as informações relativas à execução orçamentária e financeira.
“A ideia é que todo documento classificado como não sigiloso deve ser fornecido ao cidadão. E estamos nos preparando para isso”, garante Lacorte. A terceira frente de ação é mapear as informações estáticas de arquivo: “Temos projetos de lei desde os tempos do Império. Então, precisamos montar um mapa que aponte as prioridades para a digitalização. Além disso, estamos criando canais de atendimento ao cidadão por meio da Ouvidoria da Câmara e do Corpi (Coordenação de Relacionamento Pesquisa e Informação)”.
Sobre a necessidade de um órgão recursal, Christiano diz que “a questão está em discussão”. “Dentro do Grupo de Projetos, instituído em fevereiro deste ano, discute-se, por exemplo, se a Mesa Diretora da Câmara é a instância mais indicada para servir de órgão de recurso ao cidadão que não tiver o seu pedido atendido; ou se a instância de recurso mais adequado seria o superior hierárquico do funcionário que descumpriu a Lei. Ainda não definimos isso.”
Os jornais e os dados
Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado e do comitê editorial da ANJ, acredita que, independentemente da lentidão dos poderes públicos em seus processos de estruturação, os jornais precisam estar preparados para a entrada em vigor da Lei em maio, que, segundo ele, conduzirá a uma disponibilização crescente de informações no médio e longo prazo.
Por outro lado, ressalva, “não se trata apenas de podermos cobrar mais dos poderes públicos a partir de então”. “Os jornais devem se preparar também para o database journalism”, pondera, “ou seja, lidar com – e compreender bem – grandes volumes de dados brutos. Há treinamentos específicos para isso, e precisamos investir ainda mais nesse tipo de formação em nossas redações”.
Na visão de Gandour, o desafio é grande tanto para as empresas jornalísticas quanto para os governos. “Muito antes de facilitar o acesso, os governos precisam ser capazes de gerar, organizar e dar inteligibilidade aos dados. Há informações públicas necessárias e valiosas para os cidadãos que não são sequer geradas no dia a dia da administração pública”, critica.
A tendência é de expansão da oferta e da demanda, acredita Gandour. “O que, aliás, já vem ocorrendo há pelo menos 15 anos, em função das cobranças da sociedade e das facilidades propiciadas pela internet. Importante lembrar que o Governo Federal possui um grau elevado de informatização em alguns aspectos, como eleições (urnas eletrônicas) e a declaração 100% online do Imposto de Renda, dois facilitadores da democracia que muitos países desenvolvidos ainda não têm.”
Aspectos positivos
Fernando Rodrigues, jornalista da “Folha” e da Abraji, chama a atenção dois aspectos que ele considera “muito positivos” no texto da Lei, que “foi aprovado de acordo com o que era possível, na época”: “Primeiro, essa Lei vale para todos os poderes públicos, e inclui ONGs e empresas estatais, o que é incomum. Outro aspecto importante: qualquer órgão agora é obrigado a publicar ao final de cada ano uma lista de quantos documentos foram classificados como tendo algum grau de sigilo. Sim, até o sigilo precisa ser ordenado, para que possamos saber quando o documento ‘secreto’ se tornará acessível”.
“A lei, tal como foi aprovada, satisfaz”, opina Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, que participou ativamente das discussões durante a elaboração do texto. “Mas, neste momento, prefiro que não se misture ‘informação de arquivo’ e ‘informação cotidiana’. Arquivo, embora não seja trivial, é mais fácil de estruturar porque é uma coisa estática. Questão prioritária, a meu ver, é a atualização das informações geradas no dia a dia dos governos.”
Conceitualmente, acredita Abramo, não é difícil abrir o acesso às informações cotidianas na internet. “Todos os dias há um volume inacreditável de dados (brutos ou interpretados) gerados pelos poderes públicos em todos os níveis, mas não se pode simplesmente colocar a coisa de qualquer jeito na internet. Os dados precisam passam por um tratamento que facilite o entendimento por parte do cidadão.”
A questão não é somente entre cidadão e governos ou entre imprensa e governos. As próprias repartições públicas retardam – ou negam – o envio de informações solicitadas pelo STF, por exemplo. Reportagem da “Folha” em março revelou que inquéritos e ações penais que envolvem políticos são os que mais se atrasam no STF devido à burocracia, incompetência e letargia de órgãos como juntas comerciais, empresas estatais e secretarias municipais.
ENTREVISTA COM VÂNIA VIEIRA, DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
O Direito à Informação está protegido não só pela Constituição, mas também por uma série de pactos e convenções, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e as Convenções Regionais de Direitos Humanos. Espera-se que a entrada em vigor da Lei de Acesso transforme a realidade cotidiana dos poderes públicos, assim como o dia-a-dia dos cidadãos, que poderão solicitar dados sem ter de apresentar uma justificativa. A Lei acaba também com o sigilo eterno para documentos pré-classificados.
O órgão responsável pela divulgação e auxílio à implantação da Lei de Acesso no âmbito federal é a Controladoria-Geral da União, e um dos braços da CGU nesse processo é a Secretaria de Prevenção da Corrupção, dirigida por Vânia Vieira. Na entrevista a seguir, Vânia fala dos estágios de combate à (e de prevenção da) corrupção, das pesquisas de percepção dos servidores públicos federais em relação à Lei de Acesso e das ações imediatas de promoção da transparência, entre outros assuntos.
A corrupção tem sido vista mais como um problema a ser corrigido do que como um problema a ser prevenido. A punição do servidor público corrupto, tão necessária quanto difícil, é a única maneira de se prevenir o uso dos cofres públicos para fins privados?
Sempre que escândalos vêm a público, a população sente uma urgência, e com razão, de que resultados sejam atingidos e que os resultados conduzam a punições. Isso é realmente importante. No entanto, o enfrentamento efetivo da corrupção pressupõe também uma política de prevenção. É o que acontece em países onde os processos de transparência já estão mais consolidados. Entendo que, no caso brasileiro, a punição em si tenha um caráter preventivo também, funcionando como uma “exemplaridade”. Precisamos mostrar ao cidadão que as instituições existem e que estão dando consequência aos casos. Agora, falando em termos preventivos stricto sensu: é muito importante o fortalecimento das instituições. O aspecto institucional tem de estar muito bem resolvido. Além disso, temos que acompanhar a gestão para sermos capazes de detectar “fatos atípicos” no dia a dia da administração pública. No nível macro, é o que estamos fazendo: valorizando a transparência como um dos principais elementos preventivos. A transparência, além de inibir o corruptor e o corrupto, ajuda a aperfeiçoar a gestão. Claro que temos muito a avançar no Brasil com relação aos mecanismos de controle de conflitos de interesses entre o público e o privado. Quanto ao corruptor, especificamente, ainda não temos uma legislação específica, mas está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL 6826/2010) que responsabiliza por atos de corrupção as empresas (pessoas jurídicas) – aliás, elas são, em muitos casos, as principais beneficiárias. Esse projeto está entre as prioridades do governo e é, sem dúvida, um dos mais urgentes para ampliar as nossas possibilidades de prevenir efetivamente a corrupção.
Está previsto na Lei de Acesso que a CGU seja o último órgão ao qual o cidadão deve recorrer se sua demanda por informações no âmbito federal não for atendida. Além deste papel, quais as outras atribuições da CGU em relação à Lei de Acesso?
Essa Lei põe grande ênfase na transparência ativa, ou seja, na divulgação proativa por parte do Estado de informações de interesse coletivo. Além disso, estabelece um rol mínimo de informações que deverão ser publicadas na internet por todos os órgãos e entidades. Quanto a esse aspecto, o Governo Federal já se encontra bastante avançado, pois a CGU criou, ainda em 2004, o Portal da Transparência do Poder Executivo Federal, que, desde então, tem sido permanentemente aperfeiçoado com a inclusão de novos dados; e lançou, em 2005, as “páginas de transparência” dos órgãos e entidades federais. Nesse sentido, com a Lei de Acesso, a CGU seguirá aprimorando cada vez mais os canais de transparência do Governo Federal que divulgam as informações exigidas; e estimulará os órgãos e entidades federais a também tomarem medidas de transparência, num esforço conjunto para dar cumprimento ao princípio de máxima publicidade estabelecido pela Lei 12.527.
Como a CGU está se estruturando física e intelectualmente para atender ao possível aumento de demanda da sociedade por informação pública decorrente da entrada em vigor da Lei em maio?
A CGU já vem se preparando há algum tempo para desempenhar o papel que lhe foi atribuído no próprio texto da Lei de Acesso. Desde 2010 a CGU firmou com a Unesco um projeto de cooperação técnica denominado “Política Brasileira de Acesso a Informações Públicas: Garantia Democrática do Direito a Informação, Transparência e Participação Cidadã”. O Projeto foi baseado na constatação de que era urgente desenvolver mecanismos institucionais e organizacionais que permitissem à administração pública brasileira promover, proteger e assegurar o acesso a informações públicas como um direito fundamental do indivíduo, algo indispensável numa democracia.
E já foram estabelecidos objetivos imediatos?
Sim, e cada um está relacionado a resultados esperados e atividades para consecução desses resultados: 1) Em sistema de cooperação com a Unesco, e sob a coordenação do antropólogo Roberto DaMatta, realizamos o “Diagnóstico sobre valores, conhecimento e cultura de acesso à informação pública no Poder Executivo Federal Brasileiro”, com o objetivo de analisar ao longo de 2011 os valores, culturas, experiências e percepções de servidores públicos federais em relação ao tema da Lei de Acesso. Os resultados dessa pesquisa foram divulgados em dezembro do ano passado e, com base neles, estamos elaborando políticas de acesso às informações públicas; 2) Contribuir para que o Poder Executivo Federal brasileiro possa desenvolver os sistemas e mecanismos institucionais necessários para garantir o direito de acesso à informação; 3) Promover ações de divulgação e conscientização da Política Brasileira de Acesso a Informações Públicas e do direito de acesso a informação entre cidadãos e cidadãs, individualmente, e entre a sociedade civil organizada, de maneira que possam atuar como controladores sociais da execução da política de acesso.
Na sua visão, o governo federal está trabalhando em prol da divulgação da existência da Lei junto à sociedade, como o próprio texto da Lei determina?
A disseminação da Lei junto à sociedade é uma das nossas atribuições. Para exercer bem essa tarefa, a CGU inseriu como um dos principais objetivos do projeto com a Unesco a capacitação e “empoderamento” do cidadão para o exercício do direito de acesso à informação. A CGU, então, trabalha no sentido de estimular a sociedade a fazer uso da Lei. Isso é primordial.
Quais medidas já foram adotadas nesse sentido?
Por exemplo, a realização de um grande Seminário sobre a Lei de Acesso à Informação em julho do ano passado; a inclusão de um eixo temático específico sobre a Lei na 1ª Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social, que ocorrerá de 18 a 20 de maio em Brasília; e o lançamento de uma cartilha [disponível em PDF] e um link específico sobre a Lei de Acesso dentro do site da CGU.
Essa cartilha criada pela CGU em parceria com a Unesco tem como finalidade divulgar uma compreensão da Lei 12.527 entre os servidores públicos, principalmente. O que foi feito (ou está sendo feito) no sentido de divulgar a Lei de Acesso para a sociedade como um todo?
Em nosso processo de cooperação com a Unesco foram formuladas diversas ações nesse sentido. As experiências internacionais que acompanhamos mostram que um dos fatores que torna efetiva uma Lei de Acesso é a demanda crescente da sociedade. Além da cartilha e do site específico, criamos um concurso de vídeos, cujo tema, este ano, é “Informação Pública: Direito de Todos, Sem Desculpas, Sem Segredos” [as inscrições foram prorrogadas até 30 de abril, informa o www.cgu.gov.br]. Usaremos os vídeos para, entre outras coisas, disseminar a Lei. Como a nossa equipe é pequena, estamos totalmente voltados, no momento, para a implementação da Lei dentro do Governo Federal. Em seguida, daremos mais ênfase na difusão dela para a sociedade.
O que se espera dessa 1ª Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social mês que vem?
Importante destacar a natureza dessa Conferência, cuja estrutura equivale à das conferências de políticas públicas que ocorrem em áreas como saúde, educação, meio ambiente etc. A estrutura é escalonada. Primeiro ocorre no âmbito municipal, depois no âmbito estadual. Nessas duas instâncias elegem-se delegados e aprovam-se propostas. Na Conferência Nacional de 18 a 20 de maio teremos aqui, em Brasília, 1,5 mil delegados, vindos de todos os estados brasileiros, representando governos, sociedade civil e conselhos de políticas públicas locais para debater as propostas que conseguiram chegar até a rodada nacional. Ao fim desse processo, teremos 80 propostas – prioritárias, do ponto de vista da sociedade – para subsidiar a elaboração de um plano nacional de transparência e controle social.
A pesquisa intitulada “Diagnóstico sobre valores, conhecimento e cultura de acesso à informação pública no Poder Executivo Federal Brasileiro” indicou que 49,9% dos 986 entrevistados “concordam totalmente” que todo cidadão tem o direito de acesso a informações públicas não sigilosas e outros 41,6% preferiram marcar com um “X” que “concordam parcialmente”. O que esses dados significam?
Significa que, potencialmente, podemos contar com a colaboração da grande maioria dos servidores, que reconhecem que o direito à informação é constitucional e, por isso, deve ser garantido a todos. É um dado animador, portanto.
No entanto, diante da afirmação “O servidor que se nega a prestar informação pública solicitada pelo cidadão deve ser responsabilizado por isso”, apenas 37,9% responderam “concordo totalmente”, enquanto que cerca de 20% dos entrevistados ou discordaram ou não souberam o que responder. Isso é animador também?
Essa pesquisa revelou uma resistência natural de se romper com uma cultura de segredo e informalidade. Embora consciente da importância da Lei de Acesso, quando submetido a um caso concreto para análise, o servidor começa a mostrar dúvidas sobre se aquela determinada informação pode ou não estar aberta, ou se o aumento da demanda por parte da sociedade vai gerar-lhe uma carga ainda maior de trabalho, enfim, surgem diversas inseguranças. No fundo, parte dos servidores ainda teme que os critérios de análise das solicitações resultem em conveniências e oportunismos. Eles questionam também as motivações dos solicitantes e a avaliação da pertinência ou relevância da informação pedida. Em princípio, os servidores tendem mesmo a ser mais corporativistas, mas esse tipo de resistência era esperado, pois está dentro da lógica dos processos de implantação ocorridos nas dezenas de outros países que adotaram uma legislação como esta. Quanto aos 20% que discordam ou não sabem se deve haver punição, considero esse percentual pequeno.
Outra questão formulada aos servidores pesquisados foi: “Quais serão os principais demandantes das informações?”. Jornalistas (35,3%) e cidadãos (24,6%) encabeçam a lista. No entanto, os indicadores de outros países mostram que a maioria das solicitações parte de empresas e universidades. Esse item da pesquisa de vocês, então, reflete uma experiência concreta?
Não. Não dá para afirmar que a maioria dos respondentes dessa pesquisa lida cotidianamente com solicitações de acesso a informações públicas. De fato, verifica-se que, em outros países, a imprensa não é a principal demandante. O maior número de informações se refere às áreas sociais – Previdência, Saúde, Trabalho etc. – acadêmicos e empresas. A meu ver, essas referências à imprensa e aos cidadãos são mais especulativas que calcadas em experiência.
Na pesquisa, os servidores se mostram desconfiados quanto ao uso que os solicitantes podem fazer das informações, “em especial a imprensa”. Esse temor em relação à imprensa, especificamente, se deve a quê?
Tenho ouvido comentários, por exemplo, de que a Lei de Acesso está entrando vigor em um ano eleitoral. Acredito que vem daí o receio de um possível uso político das informações solicitadas. Por outro lado, uma vez mais estamos diante de uma resistência típica, ou de um exemplo claro do que está por trás de uma cultura de sigilo. Na cultura do sigilo, o raciocínio é invertido: ao invés de entender que a informação é publica e, por natureza, deve ser entregue a qualquer pessoa que a solicitar, independentemente do uso, o servidor tende a ver esse processo como ameaça. Daí, há certa desconfiança em quem solicita. Teremos de lidar com isso. Mas estamos cientes de que esse temor em relação à imprensa, ainda que injustificado, decorre da existência de uma imprensa livre no Brasil. E se temos uma imprensa livre, tanto melhor.
Outro temor apontado pelos servidores na pesquisa é o de que “as informações podem se concentrar nas mãos de indivíduos ou setores”. O que isso indica?
Fizemos essa pergunta aos servidores de propósito. E vejo na resposta deles uma relação direta entre esse temor declarado e a necessidade de aprimoramento da gestão do acesso informação por parte dos poderes públicos. Porque, se você entrega apenas para uma empresa solicitante, por exemplo, corre-se mesmo o risco de dar a essa empresa uma informação que lhe possa trazer alguma vantagem competitiva imediata. No entanto, pode-se evitar que isso aconteça. Como? Disponibilizando o maior número possível de informações na internet, ou seja, valorizando a transparência ativa. Esperamos conseguir fazer no Brasil o que faz o México, por exemplo: disponibilizar também na internet um banco de dados sobre as demandas da sociedade e os atendimentos dos órgãos públicos. É mais uma maneira de democratizar. Nesse caso, em vez de apenas entregar a informação ao solicitante, você está dizendo à sociedade que aquela informação foi pedida e atendida.
Apenas 20,6% dos servidores públicos consideraram a política de acesso à informação pública como positiva no sentido de “ajudar a combater a corrupção”. Esse dado não estaria insinuando uma baixa expectativa do servidor em relação à eficácia da Lei de Acesso?
A Lei de Acesso não tem como objetivo apenas combater a corrupção. Ela é muito mais abrangente que isso. Sua função é consolidar a democracia, dar poder aos cidadãos, garantir o exercício de diversos direitos e ampliar a transparência da gestão pública como um todo.
Por ser uma Lei nacional, ela carece de regulamentação. Mas essa regulamentação ainda não ocorreu. Por quê?
Os trabalhos de regulamentação estão sendo conduzidos pela Casa Civil. O Governo, ao que parece, está muito empenhado em editar o decreto o mais rápido possível. Esse trabalho é complexo e envolve um debate com diversos órgãos federais. Importante ressaltar, porém, que a implementação da Lei não depende totalmente da regulamentação da mesma. Obviamente, alguns aspectos do texto da Lei carecem de detalhamento, mas o mesmo texto contém muitas diretrizes autoaplicáveis. Exemplo: sabemos quais informações devem estar acessíveis na internet; sabemos que todos os órgãos e entidades terão de treinar seus servidores, criar um sistema de atendimento ao cidadão etc. etc. Muito disso poder ser (e está sendo) feito independentemente da publicação do decreto.
O que tem sido feito em prol da transparência dentro da própria CGU?
A CGU está trabalhando neste momento para estender ainda mais a oferta proativa na internet de seus dados e informações, tais como relatórios de auditoria e fiscalização, atualização das estatísticas de seus programas e revisão de sua seção de perguntas e respostas freqüentes, com o intuito de se antecipar em relação às demandas da sociedade.